UECE 2016 – Crônica e Artigo de opinião

Neste artigo você vai encontrar:

[…] Nós tínhamos uma espécie de projeto, eu e Nikos, de não ter rumo em nossos passeios. Conversávamos bastante; e, dessa forma, desbravamos, grande circular, quase toda a Barra do Ceará. Nikos era um pastor alemão de grande porte, o que facilitava nossas costuras pelo bairro: o cão me dava alguma respeitabilidade. Desconfio que ele pensava a mesma coisa de mim, mas ninguém precisava saber que éramos dois frouxos. As coisas mudam muito por aqui, mudam em todo canto, e em mim. Posso enxergar essa ponte se fazendo do nada. Um trabalhador da obra caiu de barriga no rio e morreu, foi o que a galera chegou contando à época. De lá pra cá, eu mesmo já caí de barriga em alguns fatos e sobre algumas pessoas, mas venho sobrevivendo. Agora, aqui, diante do rio, diante do mar, estou à prova. Quero passar dessa tempestade. Elejo, como que pescando, bons pensamentos para sobreviver, mas é uma seleção difícil. É possível se morrer pensando? Sim, existem uns muito perigosos. […] Meu rio anda se tornando mar, Nikos. Está se caudalando. Dezoito anos, hora de nascer. […] Vou ter de aprender a nadar nesse mar: terminar a faculdade, arrumar um emprego. Todos os anos falo de morar sozinho, longe da Barra da saia da mãe, mas nunca parto. As coisas mudam, mas são as mesmas. Nos anos 70, alguém deve ter entendido, no meio do salão do Clube de Regatas, noite de baile, as mesmas coisas que eu estou entendendo agora: que nem todos os planos dão certo, nem todos os amores são correspondidos, nem tudo cabe no bolso. É disso que eu estou falando, Nikos, do aprendizado da vida, da convivência com o fracasso. […] Todas as pessoas têm problemas, mas nem todas reparam no horizonte; e aí é onde está o pulo do gato. Os meus problemas, chego à conclusão, são pequenos em relação aos de muitos aqui. […] Aqui a barra é pesada, Nikos. É um mundo cão, com todo o respeito a você. A gente precisa aprender a lidar, com o que está dentro, com as inconstantes águas de dentro. […] Nikos, já se passaram alguns anos; já sou o que se pode chamar de adulto. Terminei a faculdade, estou trabalhando, mas não saí da Barra ainda (nesse ano, será?). Talvez porque só assim eu veja o pôr-do-sol da janela do ônibus, essa cena que me comove. Queria que pudesse ver como estou agora, Nikos, mas você já está no céu dos cachorros. Sinto falta de sua aprovação canina, porque o mundo não é muito simpático. […] Mas nós somos o mundo, eu e todo mundo […] Dividimos, então, o mesmo oceano difícil. Engolir água, bater a cabeça num banco de areia, ser atravessado no estômago por um cardume de peixes, e ainda assim ser uma Fortaleza.

Adaptação http://www.opovo.com.br/app/opovo/cadernosespeciais/2013/04/13/

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